Para a maioria dos cristãos é ponto pacífico que a missão da Igreja está revelada na grande comissão (Mt. 28.18-20; Mc. 16.15-18; Lc. 24.49 /At. 1.8; Jo. 17.18, 20.21). Porém, o que não está claro são as implicações resultantes desta grande comissão. A não compreensão de sua totalidade deixa a missão da Igreja reduzida a simplesmente “evangelizar”, em detrimento dos demais aspectos.
No artigo “A missão da Igreja: Uma perspectiva latino-americana” Alderi Souza de Matos mostra que o Pacto de Lausanne repensou a maneira de a Igreja pensar sua missão:
O Pacto de Lausanne foi muito além das declarações evangélicas tradicionais, demonstrando que o evangelismo bíblico é inseparável da responsabilidade social, do discipulado cristão e da renovação da igreja. Lausanne abordou o tema abrangente da evangelização mundial, referindo-se com isso ao ministério e à missão total da igreja.[i]
Referindo-se à missão da Igreja, o mesmo autor instiga-nos a perguntar: “Como pode a igreja ser o que deve ser e fazer o que deve fazer se não tiver uma clara compreensão acerca do seu propósito na sociedade e no mundo?”[ii]
O peruano Pedro Arana esclarece a compreensão da missão da Igreja, extraída da grande comissão, interpretando o texto bíblico de João 20.21:
(...) ‘Assim como o Pai me enviou, assim também eu vos envio’ (Jo 20.21), sugere que a missão da Igreja deve corresponder à própria missão de Cristo. Dito de outra maneira, a missão de Cristo é o modelo para a missão da Igreja: ‘Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio’. Isso quer dizer que, da compreensão da missão de Jesus Cristo, a Igreja deve deduzir a compreensão de sua própria missão [iii].
Arana destaca também que “Jesus ensinou, anunciou o evangelho e serviu. Cada uma dessas dimensões tem lugar dentro da missão da Igreja, sem mescla nem combinação”[iv]. Isso quer dizer que a missão da Igreja vai além de anunciar o Evangelho, embora este mandato não deva ser negligenciado. A missão da Igreja está ligada também ao serviço, especialmente aos que sofrem, porque se baseia no exemplo de Cristo, que veio para servir (Mc. 10.45). Este servir inclui as relações de cuidado.
Deste ponto de vista, a missão abarca todas as esferas antropológicas, do ser humano (corpo, alma e espírito), de uma forma holística e integral. Samuel Escobar lança luz sobre isso:
A consideração dessa antropologia bíblica reflete-se na maneira como se concebe a vida cristã, tanto a salvação como o que vem depois da salvação. O biblista Hoke Smith diz claramente: “A salvação que Cristo oferece abarca a totalidade do homem, sim, sua vida carnal, o que come, suas dores, suas fraturas, suas enfermidades corporais ou mentais. Cristo Jesus veio para que tenhamos vida e para que a tenhamos em abundância; não parcial, para uma parte do nosso ser, mas vida abundante que abrange a totalidade do nosso ser. Tudo o que Deus criou é objeto do seu amor e de sua obra redentora”.[v]
Portanto, não há como negar que a missão da igreja evidencia o cuidado integral. O ser humano, que apresenta muitas carências – físicas, emocionais e espirituais, necessita do cuidado. A Igreja não pode fechar os olhos para isso. Ela deve servir os que sofrem, cuidando-os.
Rodolfo Goede Neto utiliza o termo Igreja do Cuidado, para ilustrar a manifestação eclesiológica da missão integral. Segundo ele “a Igreja do Cuidado existe onde pessoas de fé se colocam a serviço do cuidado de Deus e permitem que o cuidado de Deus chegue às pessoas em sua realidade cotidiana”[vi].
Segundo o mesmo autor as pessoas dos tempos atuais apresentam muitos problemas emocionais, entre eles a carência, a insegurança, a angústia e a opressão, todos potencializados pelo medo. “As pessoas que convivem com o medo requerem da Igreja uma sensibilidade especial”[vii]. Ele afirma que as pessoas vão à Igreja “para buscar paz, acolhimento, alívio de tensões, segurança, bênção e cura”[viii]. Por isso é dever da Igreja, a Igreja do Cuidado, estar presente nestes momentos de tensão existenciais, e lançar mão dos recursos que ela tem, especialmente sua linguagem simbólica, para trazer para perto das pessoas o cuidado de Deus.
A Igreja, para cumprir sua missão de cuidadora, pode utilizar-se da ritualização das passagens, trazendo a certeza do cuidado de Deus para com o indivíduo em momentos de tensão (sofrimento) na sua vida. Também deve desempenhar o seu ministério diaconal, trabalhando nas questões sociais, que necessitam do seu cuidado e engajamento. Por fim, a Igreja do Cuidado deve nutrir o cristão através da espiritualidade, exercitando a oração e promovendo o cuidado espiritual.
Para concluir é fundamental entender que “toda a pessoa cristã é chamada para cuidar. A fé nos dá olhos para enxergar o outro e a outra que sofre. A fé nos liberta para estarmos centrados(as) no outro e na outra”[ix]. Sem dúvida o cuidado integral faz parte da essência da missão da Igreja.
[i] VERSÃO ampliada do artigo “Samuel Escobar e a Missão Integral da Igreja: Uma Perspectiva Latino-Americana,” publicado em Vox Scripturae 8/1 (Julho 1998): 95-111. Disponível em: <http://old.thirdmill.org/files/portuguese/85034~9_19_01_9-48-03_AM~alderi.htm> . Acesso em: 02 jun. 2012
ii Ibidem
[iii] ARANA, Pedro “Bases Bíblicas da Missão Integral da Igreja”. In: STEUERNAGEL, Valdir (Ed), A Serviço do Reino, Um Compêndio Sobre a Missão Integral da Igreja, Editora Missão Mundial, Belo Horizonte, 1992, 312 páginas.
[iv] Ibidem
[v] ESCOBAR, Samuel. Servir a Deus no mundo in: Tive Fome: Um desafio a servir a Deus no mundo. São Paulo: ABU Editora, 2004, pp35-46.
[vi] HOCH, Lothar Carlos; ROCCA L., Susana M. (Orgs.). Sofrimento, resiliência e fé. Implicações para as relações de cuidado. São Leopoldo, Sinodal, 2007, p.68.
[vii] Ibidem, p.69
[viii] Ibidem, p.69
[ix] Ibidem, p.70
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