“Estou fazendo uma grande obra, de modo que não poderei descer; por que cessaria esta obra, enquanto eu a deixasse e fosse ter convosco?” (Neemias, 6.3b)
Este texto tem por objetivo aproximar, de modo sintético, a história de dois importantes sujeitos da trama religiosa cristã: Neemias, um dos reformadores da sociedade religiosa judaica pós-exílica, e Lutero, sujeito cujo legado dilui-se na identidade do próprio cristão protestante atual. Embora distanciados pelo tempo e o espaço, ambos partilharam de experiências espirituais similares; experiências forjadas por um forte desejo de aproximação à vontade soberana de Deus.
Historicamente, Neemias aparece em uma Jerusalém estruturalmente aniquilada (430-420 AC), situação refletida na condição desoladora de sua própria fortaleza (muros e portas destruídas). Lutero contextualiza-se em uma mesma atmosfera obscura, uma Europa espiritualmente em ruínas (início da Idade Moderna), resultado de anos de um cativeiro religioso dogmático que fendeu os muros da fé genuinamente bíblica. De certo modo, ambos surgem em um cenário de desesperança; e contra isso lutaram.
Neemias e Lutero possuíam uma herança familiar modesta, deslocada de qualquer tradição cultural, política ou intelectual. Não obstante, possuídos por um zelo espiritual exemplar, Deus deles se utilizou provendo-os coragem, sabedoria e vocação. Em relação à Neemias, poder-se-ia dizer que buscou restabelecer a esperança de Judá em meio a uma crise social e espiritual; de Lutero, reflete-se sua luta em favor de um cristianismo pleno – vivenciado ao nível da Graça, da Palavra, da plenitude da Fé.
De modo providencial, Neemias alcançou a estratégica posição de Copeiro Real, servindo diligentemente os caprichos do Rei Persa. Por sua integridade e sabedoria, conquistou seu favor – não para si, mas em favor do seu próprio povo. Não seria furtivo considerar que o futuro da própria nação judaica, berço do cristianismo, tenha passado pelas mãos singelas desse piedoso Copeiro. De igual modo, Lutero, com o carisma do povo e o respeito do principado alemão, alcançou, com a direção de Deus, espaço necessário à implantação de um projeto que haveria de mudar não apenas os rumos do cristianismo ocidental, mas os próprios rumos da história mundial.
Entre os muitos aspectos compartilhados por estes líderes reformistas, poder-se-ia refletir a forte oposição enfrentada. Neemias sofreu com as incursões dos inimigos que investiam contra ele tentando fazê-lo parar. Do mesmo modo, Lutero sofreu as auguras da liderança cristã romana, a qual o teria liquidado não você o cuidado de Deus em preparar-lhe um “castelo forte” (físico e espiritual). Ambos experimentaram o cuidado de Deus. Na medida da coragem, enfrentaram duras perseguições... Mas Deus os guardou de todas.
Por outra aproximação, poder-se-ia refletir o fato de que ambos não agiram de modo solitário. Neemias e Lutero tiveram, junto a si, cooperadores; homens possuídos de sabedoria proporcional a necessidade daqueles dados momentos históricos. Assim com Neemias, Lutero também teve seu “Esdras”: Melanchton, homem igualmente valente e destemido, profundo conhecedor das Sagradas Escrituras. Inevitavelmente, sem esses, e outros cooperadores anônimos, não haveria, de fato, ação reformista.
De modo geral, poder-se-ia aproximar o fato de que ambos possuíam uma convicção impar de seus ideais: Se Deus era com eles, quem seria contra eles? Todos. Mas quem os deteria? Ninguém. Mais do que ícones, poder-se-ia considerar que ambos foram homens que entregaram suas vidas a Deus – participaram de Seus desígnios, bem como de Sua proteção.
Transpondo tempo e espaço, hoje eles se encontram em uma galeria freqüentada por poucos: a galeria daqueles que conseguiram estabelecer uma leitura da sua própria realidade e, diante das adversidades, puseram-se com coragem às necessidades de mudança. Ambos reconstruíram fortalezas (espirituais, sociais, morais, etc.). Reergueram muros. Ambos iniciaram suas trajetórias junto às portas!
Por analogia, ao pregar (fixar) suas 95 teses na porta da igreja de Wittenberg, fato que marca o início da Reforma Protestante em 31 de outubro de 1517, Lutero se aproximou de Neemias, o qual, junto à “Porta do Peixe”, pregou os ferrolhos daquela porta antes caída. Desta atitude inicial, Jerusalém se reergueu, possibilitando o cenário que receberia o próprio Cristo Encarnado. De Lutero, sua ação incitou mudanças estruturais em uma igreja que aguarda – confiante na Palavra, na Fé e na Graça de Cristo – a vinda do Cristo Glorificado. Soli Deo Glória!
Que Deus nos ajude a refletir o estado dos muros de nossa vida, família, igreja e sociedade. Os inimigos estão por aí; mas também há sábios cooperadores. Usemos as ferramentas reformistas que são um espírito piedoso, biblicamente sóbrio e desbravador... Comecemos com as portas do nosso próprio coração. Sejamos agentes de mudança, possibilitando a construção de um cenário de esperança, verdade e fé...
Que Deus nos ajude; do modo que a Neemias e Lutero ajudou.
Feliz dia da (de) Reforma para todos nós!
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