O Pentecostalismo é reformado?

O Pentecostalismo é reformado?
17/10/2020

A pergunta feita no título deste artigo é muito pertinente para os dias que estamos vivendo, pois, em 31 de outubro comemoramos 503 anos de Reforma Protestante. Muitas Igrejas Evangélicas da Assembleia de Deus, maior igreja pentecostal do mundo, aderiram também a estas comemorações, planejando eventos com este tema tão importante. Logo vem a pergunta: O Pentecostalismo é reformado?

O termo “reformado” assumiu uma conotação diferente do que lhe é proposto. Algumas igrejas históricas, que seguem uma teologia chamada de calvinismo (formulada pelo reformador João Calvino), utilizam o termo apontando para igrejas que seguem as doutrinas que Calvino propôs. Mas nós, assembleianos, bem como a maioria dos pentecostais, não seguem essas doutrinas. E agora? Também podemos ser considerados reformados?

Para ser reformado é preciso assumir alguns pontos que foram propostos pela Reforma Protestante, e é por isso que alguns destes pontos foram propostos pelo reformador Calvino. No entanto, alguns teólogos dividem essa questão em dois pontos: Reformado Stricto Senso e Latu Senso.

REFORMADO STRICTO SENSO
O Stricto Senso, pelo que a própria proposta quer trazer, é o reformado em sentido estrito ou limitado. Neste aspecto, para ser reformado, deve-se aceitar a proposta principal da Reforma, que é chamado de Cinco Solas, que do latim quer dizer: Cinco Somentes, que seriam:
- Sola Scriptura (Somente as escrituras)
- Solus Chritus (Somente Cristo)
- Sola Gratia (Somente a graça)
- Sola Fide (Somente a fé)
-Soli Deo Gloria (Somente a Deus a Glória).

Mas o Stricto Senso abrange também aspectos mais específicos da Reforma, tais como: Aceitar os cinco pontos do calvinismo, conhecido como TULIP, aceitar o pedobatismo (batismo de crianças), aceitar o aliacismo, entre outros fatores.  Vendo por estre prisma, muitas igrejas históricas não poderiam ser consideradas reformadas. Um exemplo disso é a própria igreja Luterana. Por mais que os luteranos não gostam de ser chamados de reformados, eles fazem parte da história da igreja relacionada a este movimento. Até mesmo alguns calvinistas não poderiam ser chamados de reformados nesse sentido, pois existem alguns que não aceitam todos os cinco pontos da TULIP. Richard Baxter, grande teólogo puritano é um destes.

REFORMADO LATU SENSO
Por outro lado, temos o termo Latu Senso, que quer dizer “em sentido amplo”. Essa proposta aponta apenas para os Cinco Solas e os demais fundamentos da fé cristã propostos pela igreja, como o Credo Apostólico. Aqui, a maioria das igrejas protestantes entram em vigor, inclusive a Assembleia de Deus e o Pentecostalismo. Por mais que nós não aceitamos a TULIP, o pedobatismo, entre outras doutrinas que vieram dos reformadores mais conhecidos, por entendermos que estas não transmitem a realidade da doutrina bíblica, nós abraçamos o Cinco Solas.

O CINCO SOLAS E O PENTECOSTALISMO
Muitos querem manchar a doutrina Pentecostal, dizendo que nós estamos longe destes fundamentos da fé propostos pela Reforma. Contudo, o Pentecostalismo sempre ensinou doutrinas que exaltam as questões essenciais do cristianismo.

Já fomos acusados de ser um povo que exalta o Espírito Santo em detrimento da pessoa de Jesus, mas isso não passa de uma falácia. Quando alguém analisa a história do Pentecostalismo, irá ver que os primeiros pentecostais enfatizavam quatro pontos principais:
Jesus Salva
Jesus Cura
Jesus Batiza com Espírito Santo
Jesus Voltará

Esse é considerado o quadrilátero pentecostal, onde a ênfase está na pessoa bendita do Senhor Jesus Cristo. Por isso vemos que os pentecostais são totalmente Cristocêntricos, ou seja, temos Jesus como centro de nossa doutrina e realidade.

Outra falsa acusação é que exaltamos mais a experiência do que as Escrituras, negando o “Somente as Escrituras”, mas isso não é verdade. Podemos ver muitos teólogos pentecostais sérios sempre enfatizando o valor e a primazia que devemos dar à Bíblia Sagrada. O próprio fundador da Assembleia de Deus, no Brasil, já ensinava isso, veja o que ele diz:

“Não é por meio de profecia, de interpretação e de línguas que devemos ser dirigidos. Isso foi dado para nossa edificação, mas a direção verdadeira e a instrução necessária vêm da Bíblia, que é a Palavra de Deus clara e inconfundível” - Ivar Vingren. O Diário do pioneiro Gunnar Vingren, 5 ed., CPAD, p. 116
Um dos maiores teólogos assembleianos da atualidade, Pastor Elienai Cabral, corrobora com esse pensamento quando diz:

'Como movimento pentecostal, discordamos da acusação antipentecostal que declara que “nós damos primazia a experiência, e menosprezamos o conhecimento da palavra de Deus”. Entretanto, essa avaliação é imprópria porque os opositores desconhecem que o movimento pentecostal tem seu alicerce e conhecimento na palavra de Deus. Paulo exortou a igreja de Tessalônica dizendo: “Examinai tudo. Retende o bem (1 Ts 5.21). O que essa escritura pode nos ensinar? Sem dúvidas, toda e qualquer manifestação espiritual, ou em nome do Espírito Santo, por palavra falada ou escrita, por atos, ou visões e revelações, precisa ser examinada, avaliada, segundo o critério da palavra de Deus" - Movimento pentecostal, as doutrinas da nossa fé, páginas 73,74 e 101, Pastor Elienai Cabral, Cpad.
E por fim, um teólogo pentecostal de renome internacional, Robert Menzies diz uma verdade, quando nos lembra que os pentecostais antigamente eram chamados de “O Povo da Bíblia”.

Os antigos sabem que muitos eram chamados até mesmo de “bíblias”, pois eram o povo que andava com a bíblia debaixo do braço. E de maneira simples, assumiam as verdades bíblicas e tomavam posse do que está registrado nela. Veja o que ele diz:

"Na realidade, os pentecostais são o “povo da Bíblia”. Embora os pentecostais incentivem a experiência espiritual, fazem-no com um olho atento às Escrituras. Como já observei, a Bíblia, e particularmente o livro de Atos, fomenta e molda a experiência pentecostal. O movimento começou em uma escola bíblica e foi estimulado por um estudo cuidadoso da Bíblia. A natureza centrada em Cristo e dirigida pela Bíblia do movimento pentecostal é característica que não devemos perder de vista." - Pentecostes, essa história é a nossa história, página 17, Robert P. Menzies, CPAD.

Podemos concluir que, por mais que não sejamos reformados de maneira estrita, somos sim reformados em sentido amplo. Nós pentecostais prezamos pelos fundamentos da fé cristã, tendo as Escrituras como base de nossa doutrina e crença. Um dos lemas da Reforma Protestante era o “ecclesia reformata semper reformanda est”, que quer dizer: Igreja Reformada sempre se reformando. Cremos que a Reforma restaurou o evangelho perdido pela igreja Romana, o evangelho da justificação pela fé somente, entre outras questões essenciais. Embora tenha sido importante o que ocorreu na Reforma, cremos que a igreja sempre permaneceu se reformando e resgatando questões que foram perdidas com o tempo. Nisso vemos a importância do Pentecostalismo, que resgatou a espiritualidade viva e dinâmica perdidas. Também resgatou a importância do batismo no Espírito Santo e a atualidade dos dons espirituais. Logo, nós pentecostais somos a continuação da Reforma protestante e somos reformados pelo Espírito Santo a cada dia. O teólogo anglicano, Alister McGrath, historiador da igreja, conclui esse pensamento da seguinte maneira:

"O pentecostalismo deve ser entendido como parte de um processo protestante de reflexão, reconsideração e regeneração. Ele não é consequência de uma "nova Reforma", mas o resultado legítimo do programa contínuo que caracteriza e define o protestantismo desde seu início. O pentecostalismo, como a maioria dos outros movimentos do protestantismo, fundamenta-se no que aconteceu antes. Seu igualitarismo espiritual é claramente a redescoberta e a reafirmação da doutrina protestante clássica do "sacerdócio de todos os crentes". Sua ênfase na importância da experiência e na necessidade de transformação remonta ao pietismo anterior, em especial, como desenvolvido na tradição de santidade. Contudo, o pentecostalismo uniu e casou essas percepções em sua própria percepção distintiva da vida cristã e de como Deus é encontrado e anunciado. Ele oferece um novo paradigma de autoexpressão para o protestantismo, antes, considerado marginal e levemente excêntrico pelos crentes da corrente principal; cem anos depois, o pentecostalismo, cada vez mais, passa, ele mesmo, a definir e a determinar essa mesma corrente principal". McGrath, Alister. A Revolução Protestante. 1 ed. Brasília: Editora Palavra, 2012, P. 428.

Anderson Fábio da Silva
É presbítero, teólogo, professor, com formação em avançado em Teologia, bacharelando o curso hoje na Faculdade Refidim.
Soli Deo Gloria

Demétrio Daniel dos Santos Ferreira
Obreiro da IEADJO, Locutor na Rádio 107,5 FM. Jornalista - MTB SC 6144 JP

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